Das coisas que você não vê

Muita coisa tem acontecido fora do alcance dos seus olhos desde que o ano começou. Você perdeu muita coisa.

Entendo.

Há histórias mais interessantes. Pessoas mais interessantes. Melhor entretenimento.

Entendo mesmo.

Mas entendo com melancolia. Gostaria de poder compartilhar esse mundo tão novo que se desvela para mim e o quanto eu me sinto tão diferente da pessoa que você conheceu.

Você nem teve a oportunidade de notar toda essa diferença. E, na verdade, nem sei se você gostaria dela. Talvez não. Mas não saberemos. Muita vida tem acontecido por aqui. Muita vida na sua ausência.

Queria te contar dos meus companheiros de trabalho e do quanto é angustiante ter sempre companheiros de trabalho. Se eu já não soubesse, agora estaria descobrindo que conviver é uma tarefa dificílima para mim. Eu fui tão só por tanto tempo que desaprendi a não sê-lo.

Toda hora quero te contar o quanto eu queria poder ficar em silêncio, perdida em meu mundo. Não posso. Não cai bem. É preciso interagir. Queria poder compartilhar isso e queria poder ouvir o que você teria a dizer para negar minha afirmação. 

Queria te falar que quase sempre estou em paz e que não sabia que isso era possível, porque minha mente faz barulho constante desde a minha infância. Mas agora ela tem muitas horas de silêncio.

Também queria te contar que quase sempre estou com sono. Outra grande novidade.

Enquanto vejo o amor morrer, sinto sua falta na minha rotina. No caos completo que se tornou meu cotidiano agora que há uma rotina nele. (Meu cérebro e meu tempo ficam totalmente desordenados e eu não dou conta. A desordem temporal me permite organizar melhor.) Você não sabe disso e não terá como saber. 

Queria te contar meus planos. Ouvir os seus. Falar bobagens sobre a humanidade. Discutir a política que já não consigo acompanhar e agenda cheia de itens que não consigo riscar. Fazer a manutenção dos afetos. Ganhar um abraço.

Eu queria te falar que te amo. Mas a verdade é que nem você está aqui para ouvir isso, nem está aqui para garantir que o amor ainda exista. Queria te falar que meu karma é você ir embora sem despedidas e me deixar perdida. Depois te dizer que karma não existe e começar a discutir filosofia barata e senso comum sobre religião.

Queria poder ouvir seu amor de novo e depois seguir fazendo qualquer coisa ordinária. 

Comentários

  1. Passei por sua vida como um filme de sessão da tarde, preenche um horario sem programação, diverte um pouco, pode ter um pouco de ação, um pouco de romance, um pouco de drama e por ai vai.
    Pode sempre ter um pouco de alguma coisa boa mas no final é sempre decepcionante.
    Não ganha Oscar, não ganha urso de ouro ou Bafta, não ganha nada a não ser um horário sem importância na programação vespertina da TV aberta.
    Ao contrário de um filme da sessão da tarde você ja pode ser comparada a um seriado complexo, aqueles que se espera a próxima temporada de 12 episódios e cada episódio é surpreendentemente melhor que o outro, e ao final das temporadas quando não se renova a próxima vem o susto do tipo, como assim? era tão interessante, tinha tantos fãs e prêmios, mas acaba deixando saudades, deixando legado e órfãos.
    As vezes nem os produtores conseguem entender a dimensão da própria obra e encaram apenas como mais uma obra, mas essa obra marcou pessoas, fez a diferença mesmo sem ser notada
    Essa é você!

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