Dia e lâmpadas

Meu estado de espírito tem aprofunda relação com o espaço desde que posso me recordar. A mais remota memória de sensação que armazeno nas minhas gavetas mentais são adornadas de cores, iluminação e texturas. Algumas tem som e cheiro também.

E elas se repetem ao longo do tempo. Se são repetidas as características do espaço, as emoções vêm todas iguais. Dificilmente construo sensações novas para segundas-naturezas já conhecidas.

(Pausa: uso o termo "segunda natureza" para me referir à tudo aquilo em que pusemos as mãos ou as ideias. E isso é muita coisa. Às vezes a gente acha que tá olhando uma paisagem natural, mas dificilmente ela está em seu estado natural - considere que até a Floresta da Tijuca foi construída. Mas, sobretudo, me refiro ao nosso sentir. O nosso olhar sobre as coisas do mundo é construído. Ele não é um olhar cru, mas reflexo de nossa condição de ser, então, ao olhar uma paisagem, a reconstruímos em nossas ideias. Assim, ela não está mais em seu estado natural, mas em segunda natureza.)

Ano após ano, os espaços causam coisas dentro de mim, das quais não posso me desvencilhar.

Aí tem essa hora de agora. Essa hora em que ainda é dia, mas as luzes estão acesas.

Essa hora tem um barulho de cozinha: acho que de panela de pressão. No verão tem barulho de cigarra também. No outono, tem barulho de vento fresco.

Nessa hora, nos anos 2020's as lâmpadas são azuladas e o céu é acinzentado, mas quando construí minha percepção sobre a "hora da luz acesa durante o dia", as lâmpadas eram bem amarelas. Quase âmbar. Eram incandescentes - lembram-se delas?

Estranhamente, cores de lâmpadas tão distintas não mudam nada na sensação triste, vazia e melancólica dessa hora do dia. Uma ideia de final-de-qualquer-coisa que eu não gostaria de acabasse.

Mas acaba. E acaba todo dia. E todo dia, se eu olhar para uma lâmpada externa acesa enquanto ainda há Sol, a sensação de perda, de saudade e solidão será a mesma. Não importa onde.


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