Despedidas antecipadas

Todos os dias me pergunto se é hoje que você parte. Se é hoje que me deixa com um beijo na testa, para eu carregar comigo a certeza de um afeto que é enorme, porém, insuficiente para que você fique por mais um dia. Se é hoje que me jura o valor das memórias já feitas, mas melancolicamente, com o rosto atento aos meus olhos, me inteira de que não poderão ser renovadas.

Eu não sei quando você parte e eu penso ansiosamente sobre esse momento com pungente frequência, torcendo sempre para que não seja hoje, porque te gosto perto. Esse perto de agora. Isso que você me dá. Não menos. Não outro. Esse. Poderia ser mais. Mas esse. E queria poder ter um pouco mais disso.

Obsessivamente e repetidamente repenso e revejo seu delicado adeus violento. Ele virá e virá em breve. Mas não hoje, por favor! Dê-me só mais esse dia. Pra eu ter tempo de gravar o cheiro da sua pele sem perfume nas minhas memórias olfativas. Parece que ainda não se fixou em mim. Eu ainda esqueço como é. Dê-me mais um dia. Ou dois. Porque há muitos detalhes que quero, antes de perder, mirar atenta para tatuá-los nas entranhas da minha mente.

Há muitas pequenas coisas e cheiros e sabores a serem anotados. Doces e sours. Alcoólicos. Especiarias. Remédios. Coisas cuja existência não planejei. Que não acreditava que veria. Que tentei não deixar nascer. E sigo tentando. Eu tenho tentado não te deixar ocupar muitos espaços em mim, para eu não ter tantos vazios para preencher depois que você partir. Mas já há muito a perder. Há muitas pequenas coisas e cheiros e sabores. Doces e sours.

Há muito você por toda parte. E já dói, mesmo hoje, essa perda que ainda não veio. Mas se avizinha. E toda a proteção que tento usar como vestimenta descostura quando sua voz expõe algum plano que me envolva. Mesmo as pequeninices. Coisinhas que você nem nota. 

Não quero fraquejar. Quer dizer... quero. Queria poder me vulnerabilizar em paz. Despir-me. Expor-me. Descansar a mente. Afetar-me de calma. Não posso. Há um coração partido que pode ser desfragmentado pelo descuido. E eu preciso dele vivo - mesmo neste estado quase morto - mais do que preciso recostar meu nariz em sua jugular.



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