Natal. Parto. Estrume.

Nossa cultura fantasia, adora e romantiza mães e bebês. A gente olha pra grávidas com idolatria. E depois para seus bebês com paixão. Eles são um pedacinho de mundo que se renova e elas são a origem dessa renovação. Duas figuras puras e santificáveis. Uma saindo de dentro outra, mas pulando a parte em que essa saída acontece.

Nós não imaginamos o parto: vemos uma mulher entrar numa maternidade (ou no quarto com a doula) e sair de lá com um bebê. The Sims: o sim dá um giro de 360° em meio a fumaça e estrelinhas e a barriga é substituída por um bebê no colo.

Parto não é visualmente atraente. Então nós nos privamos dessa imagem.

Maria (a imaculada mãe de Jesus e mãe dos católicos) teve um parto e a gente não pensa na coisa com verdade. Pensamos só na pureza e na beleza do presépio com Reis Magos e um Jesus já parido, cheio de saúde e santidade.

Eu sei que é uma história de milagre. Eu sei que era a profecia e eu entendo que os cristãos confiam que Deus fez com que o processo fosse menos sofrido do que se esperaria ser um parto em um corpo virgem. Mas eu apostaria que certas coisas, mesmo no nascimento do Salvador, não escaparam tanto do roteiro tradicional.

Um parto tem trabalho de parto. E isso pode ser muito longo. Mais ainda no Oriente Médio há dois mil anos sem hormônio para acelerar parto. Também tem dilatação e dor. E tem placenta, sangue, cordão umbilical, líquido amniótico e esforço físico. Possivelmente fezes decorrentes do esforço físico. Nós não sabemos o fator RH nem da mãe, nem do filho e isso pode ser perigoso. Não sabemos a posição do bebê e suas condições de saúde. Só sabemos que o Messias estava a caminho e que ele nasceu. Fim dessa parte do Evangelho.

Mas eu pediria para vocês terem essa imagem em mente: um parto. Pensem em Maria em trabalho de parto. Pensem que ela viajava da Galileia para Judeia em trabalho de parto. E que, mesmo em trabalho de parto, ninguém era capaz de lhe dar um lugar para ter seu filho. Ninguém quis lhe abrir a porta. Por medos - totalmente justificados por judeus sob domínio do império romano - uma mulher de 13 anos, em trabalho de parto, não tinha resguardo para parir seu filho com segurança.

O único lugar cedido para um homem idoso e sua jovem esposa parindo foi um estábulo. E Jesus - o salvador dos judeus massacrados pela pobreza, pela escravidão e por impostos de um governo tirano - foi colocado no mundo sem doula, sem toalhas limpas, sem alguém para orientar a respiração da parturiente, sem controle da pressão arterial, sem material esterilizado. Jesus foi expelido em um lugar que tinha cheiro de merda. Na sujeira, no frio. Cordão umbilical cortado, quem sabe, no facão. Placenta largada no meio do feno e do estrume. O Messias foi deitado em uma manjedoura - e manjedoura não é caminha fofinha de presépio, é a cumbuca de despejar a comida do gado.

Natal foi um parto com todas as complicações de um parto há dois mil anos. Só que no abandono, no frio e no meio do estrume. O nascimento de Jesus é um milagre. Mas também é um milagre Maria ter sobrevivido ao parto, Jesus não ter morrido de infecção e José ter sido capaz de conduzir um parto - atividade que, ainda hoje, homens são alheios.

Se essa agnóstica que vos fala puder hoje pedir algo para vocês, é que pensem nesse Natal aí. Nessa cena muito pouco bela e muito real. E na próxima, não deixem que Jesus nasça em condições tão complicadas. Melhor não arriscar. Abram a porta para a família que precisa de resguardo.


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