Fim do ano e fim de nós

O ano encerra e junto encerrará você no meu presente.
A contragosto você será limitado às minhas memórias - que são doces - e lá ficará escondido por tempo longo. Porque ainda que sejam doces, não posso confrontá-las agora. Essas memórias ainda pulsam. Ainda doem.

Escrevo aqui minha despedida, esperando que ela chegue até você (e tomara que chegue!). É minha oportunidade de dizer tudo o que já disse e o que ainda não disse. De esgotar minhas palavras e meus sentimentos. De dar tudo o que for possível de ser dado, porque não posso me dar o luxo de me arrepender pelo que esqueci de dizer ou pelo que faltou. Eu não vou poder voltar depois desse adeus. Ele é definitivo.

Você precisa partir.
Eu preciso deixa-lo ir.
Eu preciso tirá-lo daqui.

Eu me apaixonei por você. Mais rápido do que eu imaginava que fosse possível. Mais intensamente do que eu achei que era capaz. E a despeito de todo o meu discurso desprendido e do meu histórico de desapego, aconteceu. Me pegou desprevenida.

E eu, com medo de mentir para mim ou para você, de sofrer ou de magoá-lo, deixei isso escondido. Comigo, em silêncio.

Aconteceu.
E eu não sei como.

Mas eu estava apaixonada enquanto te olhava escolher guloseimas no buffet de café da manhã - um café da manhã que, por mim, teria durado dias. Estava apaixonada quando te olhava já bêbado e cansado no Cheiro de Mar (uma visão linda, inclusive - e não me refiro à paisagem). E ainda mais apaixonada quando caminhamos por quilômetros atrás de presentes de Natal para a família e chegamos a nenhuma conclusão (desculpe te colocar nessas furadas, mas eu achei esse dia perfeito).

Eu já estava ridiculamente apaixonada no início do ano, quando te achei distante e não sabia o que fazer com a confusão que a sua distância - que você tinha todo o direito de colocar - me fazia sentir. Quando você não ligou para me desejar um feliz aniversário, eu estava apaixonada (e chateada). Quando não soube de você, por dois dias durante o carnaval, e morri de ciúmes, também estava apaixonada. E estava, também, quando te encontrei depois, ao acaso, no meio da multidão do bloco, feliz e vulnerável - eu fiquei com raiva porque a raiva que eu sentia morreu ali: eu só queria você me abraçando, exatamente do jeito que fez. Eu estava apaixonada quando fomos surpreendidos por um harpista num dia surpreendentemente bom e estava ainda mais apaixonada quando nos despedimos nesse mesmo dia.

Eu estava apaixonada quando te via e quando não te via durante a pandemia. Quando você me mandava fotos em família. Quando você contava sobre seu dia. Estava apaixonada quando planejávamos os encontros. E quando eles não aconteciam. Mas estava apaixonada, principalmente, quando eles aconteciam.

Eu estava tão apaixonada que assumia o risco de fingir que acreditava nas suas mentiras.
(Que eram boas - muito boas!)
E sabia que estava apaixonada quando, ao invés de fugir, eu tentava decifrar suas cinco personalidades.

Quando eu pensei que o Réveillon mais coerente que eu poderia ter em 2020 seria com você, eu sabia o que isso significava.

O ponto é: eu amei você, e muito.

Mas deixei isso comigo porque era um problema meu. Porque eu te queria livre para me querer e para me desquerer. E porque não queria que nenhum sentimento meu pudesse atrapalhar a sua liberdade.

Eu guardei tanto sentimento em mim porque eu precisava não mentir para você e precisava e ter certeza de onde acabava a vaidade e onde começava o amor. Eu precisava saber o que era isso tudo dentro de mim.

Eu guardei porque eu não queria ver você fugir de mim. Eu queria ver você voltar.

E eu guardei esse meu amor bem escondido, fingindo não ver que me deixei ficar para o café da manhã uma vez. Depois outras tantas. Fingi não notar que comecei a gostar de conchinha. E que comecei a, eu mesma, te abraçar e beijar durante a noite.

Comecei a querer te contar sobre meu dia e querer saber sobre a sua rotina. E, secretamente, fingi não perceber você nas minhas expectativas, desejos e planos. Fingi não estar tentando estar em forma só para te atrair. Fingi não ver que eu planejei receitas para nós quando meu fogão novo chegou e fingi que não colei um papel de parede no quarto me perguntando se você iria gostar.

Fingi não notar que eu sempre pensava que meu pai iria adorar você, que era ótimo ele ter vinho a vontade para você aproveitar e que ainda bem que a casa estava sendo reformada - talvez você gostasse daqui. E eu esperei aquela pizza que você me prometeu. E a música que você falou que tocaria para mim. E Cuba.

Eu fiz muitos planos sobre Cuba. Planos sobre ansiedade, sobre as fotos bonitas que você iria querer tirar enquanto eu só gostaria de andar distraída sem tirar foto alguma. E sobre transarmos depois de chegarmos bêbados de mojito ao hotel.

Imaginei como seria poder contar para os meus amigos que "eu estou saindo com alguém" finalmente e como seria postar, despretensiosamente, uma foto em que você aparecesse.

Foram um monte de desejos e expectativas que morreram junto com nós dois. Sobretudo, o desejo de desvendar quem era você e o que você sentia por mim. Se eu era alguma coisa. Se eu servia para você. Se eu cabia na sua vida. Se você também fazia planos bobos.

Eu te amei e escondi. De mim e de você.

Então você foi embora e eu não tive mais medo ou vontade de esconder nada. Ao contrário. Eu só queria te dizer tudo isso. Esse seria meu golpe de misericórdia desferido contra mim mesma. Ou eu tirava isso que escondi de dentro de mim, ou explodiria.

Então você foi embora. Eu gritaria o que quer que fosse, se isso fizesse você ficar. Eu faria o que fosse preciso para reverter seu des-desejo. Para você poder olhar para mim como eu olho para você.

Se houvesse qualquer palavra ou ação que eu pudesse tomar agora para você ficar, mesmo que só um pouco... só mais um pouquinho... só por mais um abraço e uma conchinha...

Eu falaria o que você quisesse ouvir para não ter de te dar tchau. Porque todas as vezes que eu me despedi, desde aquele fatídico primeiro café da manhã, foram com um pouco de melancolia; eu, na verdade, nunca queria ir, mas era preciso.
Era preciso sair antes que você desejasse que eu me fosse.

Mas, no fim, quem partiu foi você e, desde esse dia, eu só sei ser morada da tristeza e da solidão.

Esse é o meu tchau.

O tchau mais romântico que eu jamais pronunciei. O adeus mais carregado de desejo que poderia ser dado. E a despedida mais definitiva que já vivi, porque eu não posso te ver longe e sobreviver a toda essa tristeza.

Você já decidiu não ficar.

Eu amo você.
Tanto e há tanto tempo que eu iria onde quer que você estivesse. Assim, só com a roupa do corpo. Sem saber o que fazer ou dizer. Só para estar perto. Sentir teu cheiro. E me abrigar no seu abraço.

Eu amo você.
E se você quisesse, eu ficava. Pelo tempo que você quisesse.

Eu amo você. E vou morrer de saudade.


Comentários