Num dia tive coragem. No outro não. Tudo bem.

Por muito tempo olhei para minha vida e a vi como um estado de "quase coisa", que é sempre quase mas nunca vida. Um quase caminho, que não é nem caminho, porque caminho tem rumo e trilha, e minha vida parecia não ter.

Minha experiência de existir me soava como algo em suspensão, que orbitava ao redor de mim mesma sem ir nem vir. Sem se ver no solo. Sem dor, mas também sem êxtase.

E por esse quase que nunca se torna vida, me culpava. Porque o certo é ter rumo, ter planos, ter vontade, ter querer. O certo é o devir. E eu tinha nada disso. Só mesmo um quase. Que não era coisa, mas também não era nem nada.

Aí, em um momento de distração - desses em que eu sempre acabo tropeçando - apareceu Chico Cesar cantando À Primeira Vista e eu mudei de ideia.

Me dei conta de que minha vida não é um quase. Ela é concreta - coisa de verdade! Que existe e que é sentida. Mas é sentida com calma, delicadeza e monotonia porque respeita o corpo calmo, delicado e monótono que a carrega.

Eu tenho tempos que são meus e eu não tenho pressa. Os relógios tradicionais são desajustados aos meus sentires e eu não me esforço para forçar esse encaixe. Tem coisa que não vai dar para entrar. Tem coisa que não vai dar para ser. Tem coisa que não vai dar para querer. Não é meu. E eu não sei de quem é.

Então me deixo viver os silêncios. E suspensões. E solidões. E a morosidade duradoura que me é tão cara quanto longa.

Não gozo do fetiche da vida quente e arriscada porque essa fantasia não é minha: eu sou maresia e essa coisa morna e desarmônica em relação ao tempo, entendendo o meu devir e o deixando ser.

Chico Cesar, mesmo que sua canção não tenha nenhuma relação com essa reflexão boba que fiz sem querer, me lembrou o que era evidente: que quando tudo era ausência eu esperei, que eu tive frio eu tremi, mas que, da mesma forma, quando eu criei asas eu voei.

E me obedecendo faço pausas longas, em que repouso e me protejo do frio. Até a hora que meu corpo precisar sentir outra coisa. Então eu vou, e vou devagar.



Comentários

  1. Num dia eu viajei 2.700 km para viver um amor de poucas horas. No outro, fiquei sozinha abraçando cobertores e vendo filmes, sem previsão de quando sairia dali.

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