A descolônia

Depois de um tempo desde chegada dos espanhóis em terras latinas, o povo quéchua das montanhas (erroneamente chamados de Incas) soube que os colonos estavam avançando seu domínio sobre o território, saindo do litoral e seguindo em direção às montanhas.

Possuindo essa informação, decidiram descer de sua cidade e rumar para o litoral, afim de confrontar os invasores espanhóis.
Não tinham a ilusão de poder derrotá-los, ao contrário, estavam muito cientes de que isso não seria possível. Seu intuito nessa empreitada sabidamente suicida era impedir que sua cidade nas montanhas sagradas fosse descoberta. Ela não era visível a partir do litoral, então sem a observação e acompanhamento da circulação dos agrupamentos humanos, ela não poderia ser encontrada.

Escolheram morrer e assim resguardaram a cidade de Machu Picchu (como hoje é chamada) para que os quéchua do futuro pudessem vivê-la. Foi uma missão de preservação do futuro.

A história do Peru é a história de um povo nativo latino-americano que, desde a colonização, luta para continuar sendo-o. Tudo é sobre não se render ao colono, não diminuir a própria história e cultura, não se ver incivilizado diante do grande e moderno branco colonizador. No capitalismo do século XXI, sua moeda é o Sol; no teatro Municipal de Cuzco, o que se assiste são espetáculos de dança tradicionais; os mosteiros foram [re]convertidos em Templos em adoração a Inti ou a Pachamama. E você descobre que trajes tradicionais não são fantasia: no Peru, fantasia é calça jeans, camiseta e cabelos soltos.

Eu não consigo falar do Peru sem sentir os olhos marejarem. O povo mais doce - e irritantemente servil - que eu conheci é também firme, resistente e resiliente. E fazem-no com uma ternura única. Sua baixa estatura, cabelos escuros, trajes coloridos, moeda, culinária, bochechas roxas e bebês nas costas são a expressão da certeza de que eles são muito mais do que colônia. Eles, desde o século XVI, fazem a escolha de ser Quéchua. Não espanhóis. Não colonizados.

Há muita história para se contar sobre um dos grandes povos que haviam na América Latina até o século XVI, quando morremos. Essa é só uma delas que serve para lembrar que ainda somos colônia. E já passou da hora de sermos autônomos.


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