Alceu Valença

Estava, minutos antes, repetindo o mesmo assunto. Tocando o incessante mesmo lado do disco que diz que entrei num estado de letargia que me impede de viver paixões. Que o pote dos sentimentos intensos foi esvaziado havia tempos, por motivos que nem mesmo sei, e que agora restaram-me somente as emoções mornas.
Não é de todo ruim: por um lado, privo-me de grandes sofrimentos. Por outro, entretanto, devo resignar-me com o fato de que já não mais me é dado o direito de amar com intensidade, de esperar com intensidade, de rir com intensidade.

Minutos antes estava explicando que tudo meu é meio frio, meio distante e meio blasé. E que não foi por escolha, mas pelo acaso. Sorte ou azar. Minutos antes explicava que, exatamente pelas razões mencionadas, não consigo ser tiete: falta-me fogo para isso. Tietagem demanda paixão em elevado grau, com calor e com verdade. Como consequência disto, vivo sem ídolos e sem expectativas  por quem quer que seja.

Nos segundos imediatamente anteriores, falava que eu gosto sim de muita coisa, mas que posso viver sem elas sem que isso represente grande sacrifício. Ao meu coração meio vazio nada é insubstituível ou indispensável. E tudo passa por esse corpo de forma suave e discreta - às vezes inaudível. Então ele entrou e só depois alguns segundos notei que me via com os olhos arregalados, com o corpo rígido e com a boca aberta em um sorriso cheio de dentes que gritava qualquer coisa incompreensível.

Sem querer e sem propósito... Sem estar esperando descobri com aquele artista que há ainda paixão guardada em algum lugar escondido de mim.

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