Muitos astros e lâmpadas incandescentes

Há uma hora do verão em que o céu se divide em duas cores, formando uma incomum graduação que vai do azul ao laranja bem divididos, sem interrupções e sem se misturar, deixando bem marcadas as camadas, como acontece quando tentamos misturar água e óleo. É um degradê tão atraente quanto improvável: é de se esperar que entre essas duas cores metam-se uma relevante variação de tons de amarelo e verde, garantindo que elas permaneçam bem separadas (seja talvez, aliás, por esse hábito da distância, que o azul e o laranja se comportem dessa forma quando colorem este céu, sem se misturar).

Bem, há este céu de fim de dia de verão, com duas cores - azul e laranja - bem clarinhas e só um pouco saturadas. E neste céu a passarada gosta de ficar dançando por uns tempos e depois partir em grupo, formando um triângulo que caminha no céu: um corpo de baile perfeitamente coreografado! E depois que partem nossos olhos hipnotizados ficam livres para voltar e perceber a Lua que estava de coadjuvante no palco o tempo todo. Ela, vestida de branco, antecipou-se e chegou ansiosa antes do Sol se pôr.

A vista é quase coisa de filme de ficção científica, que se desenrola em cenários surreais, assustadores e hipnotizantes. Dois astros visíveis ao longe num mesmo céu que, colorido por uma paleta improvável, serve de palco para animais que se comportam de maneiras muito ordenadas e semi-humanas. Um espetáculo que dura bem pouquinho - só os minutos do final da tarde que antecedem a encenação de pôr-do-Sol (aquela hora do dia em que as lâmpadas não funcionam) -, mas que de tão sutilmente grandioso nos absorve e nos suga para si em sua própria temporalidade relativa. Nos permite viver uma distração tão confortável que é como se acontecesse durante horas.

Tem este céu... Este céu de duas cores clarinhas, que contrastam com os pássaros negros que dançam à contraluz onde, no cantinho, a lua branca se acomoda para dar boa noite ao Sol e que dura só uns minutinhos. É esse momento, esse fenômeno tão específico, a lembrança mais vívida da minha infância.


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