Ancoragem


Imagem: Ryane Leão


Fui até seu porto tomar de volta a parte do meu coração de marinheiro que deixei aos seus cuidados.
Supus que já passara tempo o suficiente e ele não mais te cabia.
Eu não precisava mais amar você.
Então dediquei meses de planejamento e horas de enfrentamento de mares e tempestades com muita certeza de realizar, pela primeira vez, o resgate dessa pequenina parte de mim - que, como faço com as outras milhares iguais que possuo, deixo em terra a cada atracação.

Os minúsculos cacos do meu coração partido eu espalho como quem semeia, assim amor nunca falta a mim nem a ninguém. De porto em porto disponho e recolho o que há disponível. Então devagarinho monto um quebra-cabeças de gozo e saúde que faz valer as horas de viagem e o longo tempo longe da terra firme.

Navegadora.

Mas apesar do gosto pelos afetos repartidos, determinei-me a missão de buscar de volta a parte do meu amor que te dispus.
Muito distante. Muito frio. Fazia-me falta.

Foi então que aportei e nada mais fez sentido. Joguei os planos fora.
E ao invés de livrar-me das delicadas memórias que guardei, mergulhei em profundos novos contos de pescador.
Léguas e léguas de profundezas.
Enterrei ainda mais fundo o amor que fui resgatar. E retornei ao mar na espera de que bons ventos pudessem sempre me trazer de volta.


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