Por que não nos bastamos?

Esse post não tem nenhum viés acadêmico nem qualquer respaldo científico. Como tudo o que existe aqui, ele é resultado de uma reflexão e de uma angústia que não se pretende sanar, apenas expor.
Raramente eu busco respostas, na realidade. Gosto mesmo é de alimentar as perguntas e divagar sobre as possibilidades, mas nesse caso me permito afirmar: nós não nos bastamos. E isso é um fato, não uma especulação.

Não vivemos para nós mesmos, infelizmente. Vivemos para termos assistidas todas as informações que acreditamos serem boas em nós. Não nos basta a auto-satisfação, o auto-conhecimento, nem a certeza sobre nossas qualidades se elas forem conhecidas apenas por nós mesmos. Precisamos da aprovação, do espetáculo e da afirmação alheia (que muito frequentemente é alheia demais) para termos certeza daquilo que já sabemos ou deveríamos saber: somos ótimos.

E faço uso do mais banal dos exemplos que poderia encontrar.
Saímos para nos divertir e não nos limitamos em registrar os momentos para preservar o passado ao futuro. Registramo-nos para o agora. Enviamos mensagens para os que não estão presentes e esperamos a resposta em tempo real. Fazemos transmissões ao vivo. Compartilhamos a instantaneidade e esperamos feedback igualmente instantâneo. Porque sentimos que nossas sensações precisam ser expostas para todo um grupo de pessoas disponíveis na web - entre entes próximos ou completos desconhecidos - e esperamos a resposta como prova de que somos seguidos em cada passo por fãs e idólatras leais, garantindo nosso valor. E aceitamos o desaparecimento óbvio dos registros num futuro tão curto quanto o momento registrado, porque assim como a sensação vivida, o registro deve ser passageiro.

Cada passo do cotidiano se torna um espetáculo que necessita de espectadores que possam afirmar que o que sentimos tem validade. Ainda que nos menores detalhes mais desimportantes.
Se recebemos um prato bem apresentado em um restaurante ele será compartilhamos, porque não nos basta apreciar o que chega, é preciso propagar as sensações, E seguindo essa mesma intenção temos festas, obras de arte, dias calmos de domingo, sapatos novos, aniversário de namoro, cortes de cabelo, braço quebrado.
E em mais nenhum momento nos basta viver. É como sentir que nossas sensações só são legítimas quando endossadas por queles que estão fora do nosso corpo. Nossa autorização para a satisfação será dada assim que o mundo concordar que o que foi exposto tem valor.

Não estou fazendo uma crítica à geração Y. É clichê demais, e acho que tratar o comportamento social de uma geração como se fosse um defeito é um fardo muito pesado para ser carregado por pais e filhos que estão se esforçando para ser o melhor que podem num mundo e espécie que não vem com manual de instruções.
E diferentemente do que se recebe dos cientistas sociais e demais estudiosos do comportamento humano, não acho que nossa geração tenha sido abençoada com um narcisismo ou insegurança que outras gerações não conheceram. O cotidiano - e falo com a experiência de alguém que esteve tempo relevante no universo não virtual, não digital e onde a tecnologia GSM era inovadora - me leva a crer que apenas dispomos de instrumentos que viabilizam o que todos sempre quisemos: a observação total, em tempo real.
Vivemos o Show de Trumam porque, estranhamente, escolhemos vivê-lo.

A tecnologia é só parte do espetáculo a que me refiro. O foco de nosso passos são os aplausos e a aprovação pública que independem do meio utilizado para conquistá-los.
O amor próprio não supre nosso desejo pelo olhar de aprovação. Possuímos necessidade de reafirmação de nossa personalidade, gostos e talentos. Nós, enfim, não nos bastamos.

Aqueles que se sentem inteligentes precisam demonstrá-lo. Os que se sentem na moda precisam dar pistas constantes de que jamais se desatualizam. Quem se sente deslocado pela reprodução massiva de produtos e comportamentos se esforça para que seu olhar blasé a tudo que é mainstream se torne expressivo o bastante para ser percebido mesmo em grandes distâncias. O que quer que sejamos se torna vitrine de nós.
E assim, sem necessidade e sem contexto, vamos reafirmando tudo o que somos: leitores, atletas, artistas, nerds, fãs de desenhos animados, cientistas experimentais, voluntários, míopes...

Quase esquecemos que é possível continuar vivendo e pensando invisível e em silêncio. Precisamos que cada detalhe, bom e ruim, das características que estruturam quem somos sejam reconhecidas como nossas. É um desespero que vai além dos holofotes. É quase pedir autorização para termos identidade.
Nossa vida sem olhos parece tão sem sentido que me pergunto se conseguiríamos vivê-la na mesma intensidade se não pudéssemos ser vistos e apreciados.

Quem planta tâmaras não come tâmaras, diz o ditado que muito me agrada. E gosto de saber que essa certeza não nos impede de plantar a tamareira para o bem futuro. Somos narcisistas e insuficientes, mas não somos humanos tão egoístas.
Eu acredito no homem, portanto creio que temos um coração pleno de amor, que se esforça em construir o melhor para quem virá. Mas nosso amor tem rosto e voz.
Ao pé da mudinha de tamareira recém plantada haverá uma placa de concreto com um letreiro de cobre onde se lê: eu, Camila Quevedo, plantei uma tamareira para garantir a felicidade daqueles que sequer conhecerei. #gratidao #instalove #fazerobemsemolharaquem

Foto: Film School Rejects

Comentários

  1. O texto me parece um tanto quanto revoltado, mas você é revolts mesmo, está bem cheio de Camilisses (isso é um elogio, caso não fique claro).
    Concordo que hoje muitos (não todos) tem uma necessidade instantânea de divulgar o que estão fazendo. Aproveitando que é um texto sem viés acadêmico nem qualquer respaldo científico, vou usar uma experiência pessoal minha de exemplo. Fui comer pizza com as amigas da escolha e uma disse: "Cara! hoje a gnt precisa registrar esse momento. Porque da ultima vez que saímos esquecemos de tirar fotos". Se você for parar para lembrar, nós quase esquecemos de tirar foto no seu aniversário. Será que somos uma anomalia? Eu acho que não, acho que isso tudo é relativo a personalidade de cada um. Porém caso você seja artista, escritor, arquiteto: quer lugar melhor que as redes para divulgar? Ou para reforçar o networking?
    Um aspecto muito importante disso tudo é: qual é o sentido do termo privacidade hoje? Porque mesmo que você não registre. Estamos aí cercado de câmeras de segurança!

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