Das etapas

De repente você percebe o quanto as paredes são brancas, grossas e silenciosas e o quanto o ar pode ser opressor. Você percebe o quanto as coisas são volúveis.
Você percebe a casa ficar vazia por tempo demais.

É um oco suave que entra no seu corpo através dos seus ouvidos e te percorre por inteiro, circulando junto com o seu sangue, e você o vê a todo instante desde o dia em que notou o tempo passar. São os amigos que se mudam, os velhos que morrem, os primos e irmãos que se casam. A sala vai esvaziando. O burburinho diminui gradativamente, significativamente. Tudo para de fazer sentido.

Seu tempo livre é só seu.
O diploma está em sua posse agora. O seu currículo cresceu: agora inclui o tempo que passa depressa demais e a percepção de que não foi usado tanto quanto deveria.
O relógio já superou o correr tradicional. As horas se tornaram almas apressadas e a maior parte delas é acompanhada da solidão, das obrigações e de certo desconforto. E do trabalho, que não é exatamente o que você queria, mas que dá graças por existir: trabalhar lutando contra os minutos tiquetaqueados – entre uma xícara de café e outra, até a redenção de voltar para seu ninho de isolamento – é agora o que preenche sua rotina.

Daqueles amigos de todo dia, ficaram dois que se tornaram visita quinzenal. Se der sorte. Se tudo der certo. Se não chover. E a casa... A casa fica vazia demais. Por tempo demais.

A refeição é para um. A comida é industrializada, silenciosa e apressada.
Pressa sem razão.
Pressa do hábito.
Do hábito de saber que os dias são curtos.

E tão brusca quanto sempre, a noite chega com o silencio da cidade grande: cheia de sons. Só a luz azulada do monitor existe além de você. E ela invade despudoradamente os espaços livres do seu quarto.
E nunca se desliga.
É ela a sua ilusão de estar vivo. É a hora do sorriso tímido sincero. É a sua companhia.

Você cresceu. Mas aparentemente o mundo cresceu mais, mais forte e te engoliu.
E Sobrou tanto espaço em volta, que a casa ficou vazia demais.


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