Da mulher que ama

Ela permeia por muitos braços e entre um ou outro afago recebido dos acasos que lhe brinda a vida, consegue convencer de que sua graça é a solidão. Parece se esquivar dos afetos com a mesma destreza com que, durante as madrugadas, desliza em silêncio pela porta entreaberta, para escapar para casa antes que o sol nasça. E a casa sem fotografias soa como um aviso para quem a adentra: de que ali não há espaço para partilha, senão da instantaneidade da paixão.

Mas entre o leito e a despedida se guardam amores tão fugazes e legítimos quanto descreveria Vinícius. São amores tão intensos que se vão depressa, mas que lá, do lado de dentro, jamais a abandonam. Ao contrário, permanecem e se manifestam delicadamente em momentos breves de deleite.

Estão todos em presença constante nos hábitos e nas paixões que hoje são tão dela que ninguém suspeita que lhe foram dados de presente. Já não se pode separar o que é ela e o que é o outro nos vestígios dos amores que viveu, e não raramente ela se percebe sorrindo grata pela felicidade ter ganhado parte daquilo que eles neles havia de belo.

Dentro da armadura impenetrável que ela jura que construiu, os amores dos seus muitos amores a tocaram com singeleza dispostos a nada levar em troca. E no seu lado de dentro, ganhando muito sem nada dar, foi escondido o segredo maior: um amor do tamanho da efemeridade, mas intenso e resiliente, cuja expressão é a gratidão infinita, a liberdade e o cuidado eterno - dado em segredo, em observações discretas feitas através da janela que ela construiu para poder ver seus voos altos.


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