Janela

Ela encostou o ouvido no meio do peito e ouviu o oceano, o uivo do vento e o som de tudo o mais que não havia ali. O silêncio contido naquele imenso espaço vazio foi o que restou da vida de dissabores. Dos retalhos de si mesma.

O som da concha guardada no tórax trazia consigo aquilo queria esquecer: o que não deu certo, o que não começou, as perdas, os enganos. As entregas às cegas a outros vastos corações perdidos e vazios, espalhados pelas ruas por onde caminhou.

Então começa toda uma reflexão masoquista das feridas que se abriram deixando os sentimentos escorrerem até sumir. Ela as toca, as evidencia, rasga os buracos com navalha, como se isso lhe trouxesse de volta a animação que lhe escapou, na tentativa insana de achar na carne exposta algum gozo, alguma razão para redescobrir a vida. Qualquer coisa que lhe faça recomeçar.
Mas tudo continua sendo oceano. E vento uivando.

Todo o vento que lhe secou suas lágrimas, mas nem por isso levou as dores para longe de si.
Esperou, em vão, a ansiedade passar. Esperou a tristeza passar. Por fim, esperou pelo pranto. Vão. Varreu-se a empatia.

Pousou mais uma vez o ouvido no peito, tentando encontrar paz em meio ao silêncio. Não havia. Estranhamente não havia, em todo aquele repouso, qualquer sintoma de paz.
Então desistiu. Estava cansada demais para continuar se dilacerando a procura de algo bom. Tomou um qualquer anestésico e foi dormir sua quase inércia.


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